Muito além do Eyjafjallajökull

A vasta nuvem de fumaça e cinzas lançadas pelo vulcão Eyjafjallajökull*, localizado no sudeste da Islândia, segue encobrindo a Europa. Em seu rastro, o fechamento do espaço aéreo, o cancelamento de mais de 17 mil voos e um prejuízo de mais de R$ 2,5 bilhões somente às companhias aéreas, sem falar nos passageiros com passagens compradas, muitos dos quais ficaram presos nos terminais dos aeroportos.

Enquanto repórteres do mundo todo gastam tempo tentando aprender a pronunciar Eyjafjallajökull, o blog da Copa Paulo Francis foi a campo investigar o que há por trás dessa névoa toda. Afinal, a Islândia é um país em que a Copa Paulo Francis é muito respeitada.

Logo no primeiro dia na capital Reykjavík, um fato chamou atenção. Nas capas dos jornais, as manchetes do Eyjafjallajökull dividiam espaço com a segunda chamada em destaque: "Sem acordo para a transmissão da Copa Paulo Francis". "Como assim?", perguntou-se o assessor de imprensa da CPF, Diogo Madruga, enquanto virava as páginas do Morgunblaðið (o Jornal da Manhã, 97 anos de tradição) em busca da matéria.

"A despeito do apelo do povo islandês, a Icelandic National Broadcasting Service e a FIFA não chegaram a um acordo quanto quanto à aquisição dos direitos de transmissão da Copa Paulo Francis. A reunião realizada no último domingo em Zurique, com a presença de comitês dos últimos 15 países do mundo que ainda não acertaram a transmissão da Copa, foi um fracasso", dizia o jornal, na página 1 do caderno Vida Glacial.

Enquanto a cúpula diretiva da CPF começou os contatos com a FIFA para tratar da questão, antes desconhecida, a reportagem do Blog da Copa Paulo Francis resolveu ouvir o povo da Islândia. Aos poucos, foi sendo percebido que a frustração por não poder assistir aos jogos do PDF, do ETC e do BAU era imensa e comovente, mais espessa que a fumaça do vulcão da geleira da montanha da ilha. A grande descoberta não demoraria a chegar: os dois fatos estão correlacionados.

NO SEIO DA ERUPÇÃOImagem aérea da cratera do Eyjafjallajökull expelindo cinzas
AP Photo/Arnar Thorisson/Helicopter.is

Entende o Ásatrúarfélagið, religião neopagã da Islândia, que o homem e o meio ambiente têm de estar em perfeita harmonia, pois o estado de um reflete no do outro. Quando não estão, a mãe natureza pode materializar os sentimentos do homem. Na opinião de Hilmar Örn Hilmarsson, líder da religião, a erupção do Eyjafjallajökull depois de mais de um século pode estar ligada diretamente à insatisfação do povo islandês com o não-televisionamento da Copa Paulo Francis. "A erupção certamente começou nos corações e mentes. E o que mais vem afligindo o nosso povo é a falta dessa competição", disse o allsherjargoði — nome que recebem os líderes do Ásatrúarfélagið.

Observando nas ruas de Reykjavík a desolação da população, a tese parece fazer sentido. Ainda mais quando se vê uma jovem usando uma camisa do ETC, campeão da CPF em 2007. "Aquele foi o primeiro ano que eu assisti. Marcou-me muito", recorda Asdis Magnusdottir.

Perguntada sobre se tem visto algum tipo de protesto, ela afirma que sim. "Semana passada houve uma passeata. As pessoas queriam chamar atenção para o fato de que a televisão islandesa não vai transmitir os jogos da Copa Paulo Francis. Se 170 países poderão acompanhar, por que ficamos de fora?", questionou.

Ao lado da bela Asdis estava o seu namorado, o ex-jogador de futebol Andri Sigþórsson, que defendeu Bayern de Munique (ALE) e outros clubes europeus, tendo sete jogos pela seleção islandesa e dois gols. Sigþórsson, que teve a carreira abreviada por uma contusão no joelho em 2005, quando defendia o Molde (NOR), declarou que assistir à CPF seria de certa forma uma reparação. "A minha vida era jogar futebol. Hoje é ver o futebol da melhor qualidade. Não posso ir para o Brasil, por isso ficarei muito contente caso a TV transmita" disse o ex-atacante.

O casal fez a ponte para o contato com o fã clube da Copa Paulo Francis na Islândia, que está tentando promover um concerto em prol da transmissão da CPF para o mundo todo, e não apenas para os 170 países que já haviam confirmado a aquisição dos direitos de transmissão. Naturais da Islândia, a cantora Björk e a banda Sigur Rós foram convidados, e como a organização pretende um evento de alcance global estuda convidar o cantor americano Akon, de origem senegalesa, uma vez que o Senegal é um dos países que não firmaram acordo para a transmissão da copa.

Sabendo que a grande expectativa que paira sobre a Islândia é não a da dissipação da cortina de fumaça, mas a de comungar do espetáculo que é a Copa Paulo Francis, o comitê executivo do torneio promete se dedicar a tornar viável o desejo do povo da Islândia. Quem sabe assim o Eyjafjallajökull possa descansar, e a Europa, voltar ao normal.

*PS: Eyjafjallajökull quer dizer geleira da montanha da ilha.
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